O site Collider conversou com George R.R. Martin, autor de As Crônicas de Gelo e Fogo, e a entrevista foi traduzida pelo Omelete, que decidiu dar uma resumida nas perguntas mais relacionadas à produção dos primeiros livros e da série de TV para a HBO. Leia abaixo os melhores momentos da entrevista:
Spoilers Abaixo
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Quando você começou a criar esses livros, você chegou a imaginar que os veria tomar vida?
Não. Na verdade, quando eu comecei a escrevê-los, eu pensei que eles nunca pudessem ser adaptados para televisão ou cinema. Eu estava simplesmente escrevendo um livro. Comecei esse projeto em 1991, bem no meio dos dez anos que eu passei em Hollywood, e só voltei para eles em 1994, quando meu envolvimento na cidade estava em declínio. Durante o período no qual eu estava desenvolvendo pilotos e escrevendo filmes, me disseram várias vezes que eu estava fazendo tudo muito grandioso e caro. Eu ouvia direto "George, esse roteiro está ótimo mas para produzi-lo vamos precisar do triplo do nosso orçamento. Você tem que cortá-lo". Eu voltava, relia tudo e cortava. Eu me cansei de ter que cortar roteiros. Estava cansado de conversa; tive que cortar cenas ótimas que eu realmente achava que davam um toque especial em alguns desses projetos. Eu vim do mundo da prosa antes de me envolver com TV e cinema. Passei 15 anos escrevendo contos e romances, então eu estava voltando ao meu primeiro amor. Eu sabia que quando se escreve um livro não há preocupações com orçamento. Você não fica limitado àquilo que pode ou não fazer por causa de efeitos especiais e tecnologia. Não há limites temporais, pode escrever o quanto quiser. Dá pra ter uma história massivamente longa mas ela também pode ter todos os tipos de cena, cenários e batalhas diferentes. Dá pra ter um elenco de personagens com 100, 1000 pessoas. Foi isso que eu fiz. Eu escrevi o melhor livro que pude pensando que ele provavelmente seria eternamente somente um livro, mas tudo bem. Eu amo livros. Então, tudo isso do seriado me deixou bem feliz, ainda que haja uma ironia, especialmente se você considerar que, de 1990 a 1995, eu fiz de tudo para criar uma série televisiva. Escrevi seis pilotos e nenhum deles foi comprado. Quando você para de tentar, parece que tudo cai do céu.
Quantas vezes e por quanto tempo você foi abordado para trazer esses livros à vida? Quando você percebeu que isso realmente poderia ser feito e que os produtores seriam fiéis ao seu trabalho?
Fui bastante abordado por volta do lançamento do segundo livro, A Fúria dos Reis. Esse foi o primeiro livro a realmente chegar na lista de best sellers, que foi o que causou interesse. Algumas das ligações que recebemos eram de pessoas que só queriam ler uma cópia do livro, outras eram pessoas que queriam marcar reuniões... Eu fui em algumas delas em Los Angeles, participei de algumas conferências por telefone. Meus agentes lidaram com mais dessas ligações. No início, as pessoas interessadas eram aquelas que queriam fazer apenas um filme. Eles estavam se espelhando no sucesso dos filmes do Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, e pensaram que se aconteceu com uma série fantasiosa, poderia acontecer com outra. Conheço muitas outras pessoas que também estavam escrevendo fantasias épicas naqueles dias e também tinham aberto seus livros para a opção de adaptação ao cinema. Poucos deles realmente foram lançados. Mas eu já sabia desde o começo que meus livros não poderiam ser adaptados ao cinema. São simplesmente grandiosos demais. Esses livros são mais longos do que os do [J.R.R.] Tolkien, têm um elenco de personagens muito maior. Por mais que eu tenha ido a algumas dessas reuniões no início, nenhuma delas levou a lugar algum. As únicas abordagens que eu recebi para o cinema exigiam que a história fosse diminuída, que eliminássemos três quartos dos personagens e focássemos apenas em uma das tramas. Aí aconteceu a reunião com David [Benioff] e Dan [B. Weiss, produtores executivos e co-criadores] e eu percebi que eles tinham a mesma noção de que a única maneira de fazer isso era para a TV, preferencialmente para a HBO. Isso nos permitiria fazer cenas adultas e dedicar temporadas inteiras para cada um dos romances. Esse foi o ponto decisivo.
É difícil deixar a história na mão de outras pessoas?
Sim, até um certo ponto é bem difícil. Eu gosto de fazer a anologia de que é meio como mandar seus filhos no primeiro dia de aula pela primeira vez. São seus filhos, você esteve com eles desde de que nasceram, teve total controle sobre eles e passou 24 horas por dia ao lado deles. Agora eles estão indo para escola, ficando fora de casa grande parte do dia... Quem sabe quem eles vão conhecer ou o que pode influenciá-los? A única coisa que se pode fazer é deixá-los nas mãos de pessoas boas. Eu tenho uma ótima relação com David e Dan. Todo esse processo só começou realmente quando eu os conheci. Nos encontramos para almoçar no Pal Restaurant, em Los Angeles, e ainda estávamos conversando quando eles arrumavam as mesas para o jantar. Nosso almoço durou entre cinco e seis horas. Gostei de tudo o que eles disseram e acho que eles também gostaram do que eu disse. Deixei meus filhos nas melhores mãos que pude, isso também vale para os diretores e atores. Todos eles estão cuidando muito bem das minhas crias, tomara que tudo continue como está.
Eles te pediram para mudar coisas que não necessariamente estavam nos livros? Eles apresentavam ideias para você, para ter certeza de que se encaixariam ao universo criado, ou você deu carta branca para eles?
Eu sabia que eles queriam fazer as histórias mas eu não poderia exigir nada. Eu não queria que eles sentissem como se eu estivesse espiando por cima de seus ombros dizendo "não, não, não, essa fala não vai funcionar assim". Temos que dar liberdade para que eles façam o trabalho deles. Eles tinham o livro e eu sabia que se manteriam tão fiéis quanto pudessem a ele. Dados os parâmetros, eu sabia o que ia ter no piloto e como ele terminaria, e o gancho ficou muito bom. Inicialmente, eles apenas escreveram o piloto.
Eles chegaram a conversar com você para alterar algum dos personagens?
Já tivemos algumas conversas assim. Eu não quero ser muito específico porque poderia estragar alguma coisa, mas tem um personagem que morre no final da primeira temporada da série, mas que não morre nos livros até mais ou menos o terceiro ou quarto volume. Ele ainda morre de uma maneira diferente na TV do que no livro. Eu os avisei sobre isso, para que tivessem noção do que estavam fazendo, mas eles decidiram continuar com a maneira que tinham escolhido. Então, se tivermos uma terceira temporada, chegaremos ao ponto que aquele personagem originalmente morreria e se não tiverem acontecido muitas mudanças na trama central da história, eles vão ter que fazer algum ajuste. Temos que tomar cuidado com coisas como essa. Eu espero poder ser útil para David e Dan, lhes dizendo quando podem cometer erros como esse.
Você escreveu algum dos episódios para a série?
Sim, escrevi o oitavo, "The Pointy End".
O que você achou até agora dos episódios?
Eu só vi os dois primeiros, mas estou bem animado. Achei que eles estavam ótimos.
Teve algum cenário ou personagem que você queria ver na vida real e que realmente gostou?
Algumas das pessoas que mais me impressionaram foram as crianças. É bem difícil encontrar um bom ator mirim. Tem muitos deles por aí, principalmente nos EUA, e são crianças fofas, mas a maioria deles está nos sitcoms, onde seus papéis são simplesmente ser fofos e fazer comentários engraçados, e alguns fazem isso muito bem. Mas as crianças de Game of Thrones têm que fazer muito mais que isso. Eles têm que transmitir medo, luto, amor, ânsia, saudade, desejo em papéis que seriam desafiadores até para atores adultos que já têm 20, 30 anos de experiência, mas eles são apenas crianças que talvez fizeram uma ou duas peças de escola. Foi difícil encontrá-los. Entrevistamos centenas de crianças para cada papel e eu não sei onde nossa diretora de casting [Nina Gold] encontrou esses atores, mas as três crianças principais - Isaac Hempstead-Wright [Bran], Sophie Turner [Sansa] e Maisie Williams [Ayra] - são incríveis.
Existe algum personagem ou evento específico do livro que você acha que seria particularmente difícil de adaptar para a TV, especialmente com o decorrer da história?
Eu tenho receio de algumas cenas carregadas de efeitos especiais. Ainda não as vi. Estou bem aflito para ver a última cena da primeira temporada. Não quero dar nenhum spoiler aqui, mas se você já leu o livro, sabe qual é essa última cena. Eu me pergunto como é que eles vão conseguir reproduzir isso na vida real e como vão ficar os efeitos. Eu também tenho dúvidas sobre as batalhas que ainda estão por vir. Temos grandes batalhas, como por exemplo a Batalha de Whispering Wood e a Batalha de Green Fork. Vai ser interessante ver como elas se sairão na TV. Elas são algo que nós nunca poderíamos ter feito nos dias que eu era mais ativo na televisão, mas que agora se tornaram um pouco mais plausíveis graças aos efeitos especiais e CGI, mesmo que eles ainda sejam bem caros e tenham uma produção demorada. Isso vai ser um grande desafio para todos nós.
Tendo fãs tão ávidos, como você acha que pode ser a reação para alguma possível mudança, especialmente alguns detalhes que podem ter sido eliminados para que a história fosse transformada em uma série televisiva?
Se a minha própria reação servir de exemplo, eu acho que grande maioria dos meus fãs vai ficar animada e satisfeita com o que vão ver. Acho que 95% deles vai ficar bem contente. Pode ser que tenham uma recaída em pequenos momentos, perguntando porque deixamos de fora a cena favorita deles, ou talvez um ótimo diálogo, mas a reação geral deve ser positiva. Pode ser que alguns não gostem simplesmente por não gostarem de um ator em particular, ou da história em si.
O único momento no qual eu tive qualquer tipo de problema foi com as cenas cortadas. Alguém que conhece o livro muito bem vai assistir e dizer "agora a cena vai ser essa, é isso que vai acontecer a seguir. Espera, eles tiraram essa cena. Não podemos ver isso acontecer". Fiquei um pouco desapontado, mas ao mesmo tempo eu entendo o por quê disso, eu provavelmente faria a mesma coisa se fosse David e Dan. Temos apenas uma hora por episódio e temos que aproveitar esse tempo para conseguir encaixar alguns dos maiores acontecimentos nessa uma hora. Não temos três horas para cada episódio. Temos apenas dez horas para contar toda a história de Game of Thrones, então não podemos colocar todos os detalhezinhos, toda fala de todos os diálogos que temos no livro, não podemos colocar nem todas as cenas. Acaba se perdendo um pouco de material ao longo do caminho. Eu sei que tem algumas cenas que foram gravadas e que acabaram não entrando na edição final. Talvez a HBO irá eventualmente fornecer algumas dessas cenas para as pessoas assistirem, no DVD e Blu-Ray.
Já o material que nem chegou a ser rodado está nos livros, então pode ser que as pessoas que tenham gostado da série comprem os livros e encontrem uma versão do diretor em prosa. São dois meios diferentes e eles têm restrições diferentes.
Quando começou a criar esse mundo, você começou com uma família e depois foi ramificando para o resto do mundo?
Os Starks são definitivamente o centro da história no início. Tudo começa em Winterfell, com cortes ocasionais para Daenerys do outro lado do oceano, porque não tinha como eu colocá-la em Winterfell. Todos ficam lá por um tempo, até que começam a se separar e seguir em seus próprios caminhos. Não há mais dois personagens juntos. Desse ponto em diante, a história se espalha e cresce cada vez mais. Aí eu começo a introduzir mais personagens e facções nos outros livros, para que a trama fique mais densa. Mas ainda assim os Stark são o centro do livro e, até um certo ponto, os Lannister também. Eles ainda são os que comandam o jogo. Eu escrevo os livros na terceira pessoa, no qual cada capítulo é escrito através da visão de um personagem individual. Quando estou escrevendo com um certo personagem, eu me transforme nele e me identifico com ele. Então quando estou escrevendo um capítulo como Tyrion, eu me apaixono por ele. Aí eu mudo para Jon Snow e me apaixono por ele. A mesma coisa com Daenerys. Ninguém é o vilão da própria história, todos somos nossos próprios heróis. Quando estou dentro da cabeça de um personagem que poderia ser considerado um vilão, sinto um grande carinho por ele e tento ver o mundo através de seus olhos.
Quais são os personagens que você acha mais difícil escrever e por quê?
O ponto de vista mais difícil de escrever tem sido o de Bran por dois motivos. O primeiro é sua idade, ele é o personagem mais novo entre os pontos de vista e é difícil escrever com a visão de uma criança. Não é impossível, mas é mais demorado. Tenho que pensar em tudo o que está acontecendo e me perguntar como é que um garoto de oito anos veria tudo isso, como ele descreveria isso. Ele não usaria as mesmas palavras que um adulto de 30 anos, pode ser que ele não entenda algumas coisas mesmo que as esteja vendo e ouvindo. Pode ser que ele não entenda o contexto das coisas. Eu tenho que prestar atenção em tudo isso. Essa é uma das razões pelas quais eu escolhi não ter um ponto de vista de Rickon no livro. Ele é o mais novo das crianças da família Stark, com apenas três anos, mas que na série ficou com seis. Escrever através de Bran já era difícil o suficiente, seria ainda mais difícil através de Rickon.
O outro fator que tornou o ponto de vista de Bran mais difícil de escrever é que ele é provavelmente o personagem, nos primeiros livros, que está mais envolvido com magia, que é central no mundo na fantasia. Eu queria dar o sentimento de maravilhas e mistérios, dar ao leitor coisas que ele não teria no mundo ordinário e mundano da ficção mas, ao mesmo tempo, isso pode arruinar um bom livro de fantasia. Quando a magia é excessiva ou é apenas jogada na história, sem contexto, ela pode acabar tomando o livro. De repente, tudo gira em torno da magia, o drama inerente da condição humana é perdido e os personagens resolvem seus problemas apenas com um encantamento ou com o acenar de uma varinha. Ter magia de uma forma contida é algo que pode ser feito e eu tentei fazer o melhor que pude, mas isso requer muitos cuidados. Por todas essas razões, os capítulos de Bran foram os que inevitavelmente pareceram levar mais tempo e envolveram maior nível de dificuldade.
Existe um rumor de que você gosta de demorar para escrever seus livros. Se você realmente conseguir chegar na quinta temporada, acha que vai ter tempo suficiente para escrever o sexto e sétimo livro para terminar a história?
Não posso negar que eu levei muito tempo para escrever esse último livro e o anterior a esse - que na verdade teve início como sendo um mesmo livro - mas não é sempre que eu demoro tanto. Os três primeiros livros da série saíram muito mais rápido e eu espero que os problemas e dificuldades que venho passando afetem apenas esse volume em particular e, uma vez que eu o entregue, volte ao meu ritmo inicial. Eu espero que The Winds of Winter e The Dream of Spring, os dois últimos livros da série, sejam mais rápidos. Apesar de nada ter sido decidido, eu acho que teremos algumas temporadas pela frente.
Transformamos A Guerra dos Tronos em dez episódios para essa primeira temporada. A segunda temporada será baseada em A Fúria dos Reis, que é um livro um pouco mais longo. Eu adoraria ter 12 horas ao invés de dez para esse livro, mas provavelmente poderíamos fazer em dez. Uma vez que chegarmos ao terceiro livro, A Tormenta de Espadas, aí já é grande demais. Só o manuscrito tem 500 páginas a mais do que o segundo livro. Não tem jeito de fazê-lo em apenas uma temporada, então eu acho que esse livro teria que ser dividido em duas temporadas. Quando chegarmos então ao quarto e quinto livro, que terão que ser recombinados - o quinto livro é ainda maior que A Tormenta de Espadas, que já rende duas temporadas, totalizando em três para os dois livros. Então eu já tenho uma vantagem considerável. Se eu pudesse terminar os dois últimos livros tão rápido quanto terminei os outros, eu acho que estarei seguro.
É verdade que você quer fazer uma ponta no seriado?
Eu apareci como extra na cena do casamento da Daenerys quando filmamos originalmente o piloto no Marrocos. Mas como os papéis foram redistribuídos, praticamente todo o material que tínhamos do Marrocos foi descartado, incluindo minha ponta. Pode ser que eu volte para outra ponta em algum episódio futuro.
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